O que A Torre Negra, do king, tem de bom?

Há, em um deserto entre mundos,
Uma Torre Negra onde chegar...
Um Homem de Preto com um segredo a contar...
Um menino morto sem saber onde está...

E um Pistoleiro em um épico, disposto a matar!


Há a permissividade criativa na literatura que diz que todo autor pode transformar a busca de seu herói em um épico. Aos moldes gregos, a busca do herói por um ideal que o torne inteiro em si (seja um amor distante, um coração despedaçado, ou uma verdade que precisa ser revelada e dita ao final do trajeto) transforma o deslocar de um ponto “x” em direção a um “y” específico, uma verdadeira aventura a ser acompanhada vorazmente. A construção literária torna-se plena e incalculável quanto ao seu desfecho, quando o heroi tem diante de si a possibilidade de seguir outros caminhos além daquele esperado, quando possui à sua frente outras letras do alfabeto onde culminará em uma densa e incrível realidade.
No primeiro livro que inicia a fantástica viagem À Torre Negra, temos em O Pistoleiro (1978) um das frases mais justas para introduzir este universo:

“O homem de preto seguia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás.”

Como um Odisseu, que cruza os mares retornando da guerra de Tróia, Roland, o pistoleiro que dá título ao início desta saga, cruza os desertos de um mundo que não conhecemos, por possuir em diversas passagens narrativas elementos de nosso contexto, mas que, para as personagens, parece há muito ter ficado para trás. Temos um novo mundo sendo exposto, um onde fragmentos do velho oeste renascem dos livros e filmes com força e formas sólidas; um onde bares com rum barato e dançarinas, dialogam com esporas e pistolas bem azeitadas. Neste mundo, e cruzando-o com velocidade à cavalo, temos Roland perseguindo o Homem de Preto.
O que nos parece ser um enredo simples, modifica-se quando sabemos que O Pistoleiro busca a verdade que o outro esconde: como chegar À Torre Negra.

Homero, ao descrever seu Odisseu, disse ser este…

“Herói de mil estratagemas que tanto vagueou, depois de ter destruído a cidadela de Tróia, que viu cidades e conheceu costumes de muitos homens e que no mar padeceu mil tormentos, quando lutava pela vida e pelo regresso dos seus companheiros”

Relegamos a Roland a alcunha de herói por nos mantermos atrelados a necessidade que temos de querer que toda narrativa possua sobre si aquele por quem queremos torcer. Mas, assim como todas as outras personagens que surgem, O Pistoleiro é a nós um verdadeiro estranho e suas motivações nos é totalmente desconhecidas. Somos, e percebemos isso logo mais adiante, como todas as outras personagens, jogados naquele mundo do qual, ainda em transe, buscamos uma figura em quem confiar.

Mas, o que nos faz confiar em Roland?
Qual sua real motivação em chegar n’A Torre Negra?
E, afinal, quem é aquela figura que caminha, sempre quilômetro à frente, a qual Roland chama de Homem de Preto?

O Pistoleiro mostra-se um livro de enigmas, como a série Lost (2004), onde a única diferença que a verdade que conhecemos possui da mentira  é a grafia do nome. Como um grande tornado delicioso somos arrastados para esta aventura onde mais torcemos para que finalmente este confronto chegue. Desejamos, conforme o livro se aproxima do desfecho, que finalmente Roland engatilhe armas contra o peito do Homem de Preto e despeje sobre este suas angústias e temores.

Nada sabemos sobre A Torre Negra e qual sua real relação com Roland. Sabemos, contudo, que Roland é o último dos pistoleiros, e que, como uma raça, uma espécie incomum, estes estão em extinção. Essa verdade apavora a coluna de Roland, gelando-lhe o sangue, fazendo com que este tema seu próprio desfecho naquele mundo.

Em seu caminho, em meio as diversas figuras que encontra, Roland conhece o garoto Jake.
Roland o encontra sozinho em um estábulo perdido no meio da aridez do deserto.  Sabemos sobre Jake tanto quanto o próprio Jake. Este diz apenas ter acordado naquele “mundo”, desperto de um sonho, sem saber de onde veio – e o porquê veio! – trazendo vagas lembranças de que o seu “outro mundo” realmente existiu.
Unindo-se à jornada d’O Pistoleiro, Jake acompanha Roland somente para não ficar uma vez mais sozinho. Logo, a ação os aproxima:

“Jake estava no meio do terreiro do estábulo, entre o cascalho e as fendas da terra dura. Gritou quando viu o pistoleiro, recuou um ou dois passos e depois correu para ele, gritando:
- Achei que a coisa tinha pegado você, tinha pegado você. Achei…
- Não pegou. Nada me pegou. – estava abraçado ao garoto, sentindo seu rosto, o calor contra peito, as mãos rececadas em suas costelas. Podia sentir as rápidas batidas do coração de Jake. Ocorreu-lhe, mais tarde, que foi aí que começou realmente a gostar do garoto, que era, é claro, o que o Homem de Preto teria certamente passado o tempo todo planejando. Que armadilha, afinal, poderia se equiparar à do afeto?” (p. 107)

Em meio a isso, Roland e Jake continuam suas buscas – cada um ao seu modo e tempo. É quando as verdades do Homem de Preto chegam arrasadoras.
Roland e Jake são uma visão moderna à marcha de Frodo Bolseiro e Samuel em direção À Montanha da Perdição, a fim de destruir O’um Anel. Como J. R. R. Tolkien em sua busca em O Senhor dos Aneis (1955), o leitor teme que, assim como Frodo somente conseguiu seu intento sozinho, se Roland irá se desfazer do garoto na busca de conseguir aquilo que deseja, mas da qual não possui ainda controle.

Em 2017, será lançada a versão cinematofráfica de A Torre Negra, fato que gerou certa polêmica, tanto pela escolha do elenco, quanto pelo momento de onde o roteiro partirá dentro da trama. Verdade que a encarnação real de Roland encontra-se na imagem de Clint Eastwood, afinal foi justamente no ator que King se inspirou no início de tudo, quando assistiu, aos 22 anos, o filme Três homens em conflito (1966). No entanto, para versão deste ano foi escalado o ator Idris Elba (Beast of no Nation), como Roland, e Matthew McConaughey (Interstelar), como Homem de preto.

Será que A Torre Negra não é o nosso próprio terror?
O nosso próprio sobrenatural?

Onde nós, leitores, somos personagens de King, expostos aos choques que este tem a nos oferecer neste romance em particular? Somos nós agora que, como aconteceu com aqueles a quem ele deu vida, viram seu mundo em confronto com verdades ilógicas, obrigando-os a encarar, lidar e aceitar as perdas que a fúria humana e o Destino adoram fulminar?

Mais moderno do que se pensa, em O Pistoleiro  vemos vários mundos que se correlacionam por um elo que também desconhecemos. Heroina e LSD são deflagrados, uma Nova Iorque futurista – ou uma perdida no tempo – ganha traços sutis nesta parte inicial d’A Torre Negra, com Idas à lua, a tecnologia, a inseminação artificial, a energia solar, questões existencialistas sobre o ponto de um átomo e os limites do que chamamos de vida, as faces da verdade e a portentosa força da alma nadando na eternidade.

Como verdade a este fato, o Homem de Preto nos deixa saber:

“Imagine a areia do deserto (…), e imagine um trilhão de universos – não mundos, mas universos – encerrados em cada grão do deserto; e dentro de cada universo, uma infinidade de outros.”

O Pistoleiro é o início!
O Início de algo grandioso que virá nos outros livros d’A Torre Negra, abrindo caminho para uma das maiores viagens que você terá na literatura. Uma verdade que vem inebriando leitores e fãs deste ardiloso e hábil autor americano chamado Stephen King, que, por merecida alcunha, intitulou-se rei em seu universo.


Por Luvanor N. Alves e Tony RIbeiro
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