ESCURIDÃO TOTAL SEM ESTRELAS, de Stephen King

O medo do escuro aterroriza a mente de várias pessoas. Esse medo aparece de diversas formas, de algo aterrorizante que pode ter acontecido no escuro, ou mesmo de um filme de terror antes de dormir. Acluofobia é o medo irracional do escuro, ou da ausência de luz. Mas, o que nos faz ter medo exatamente? Na verdade, o medo pode não vir da ausência da luz, mas sim, do que pode acontecer sem ela.  Bichos – papões, vampiros ou zumbis assustam-nos quando crianças e até mesmo hoje, mas…

O que assustam os personagens de Escuridão total sem Estrelas (2010), do mestre Stephen King?

Eu diria que, sim, o que os assusta é o pavor do monstro escondido no escuro, mas este não é um monstro igual ao vampiro Barlow, personagem de Salem (1975), também do King, escondido numa casa mal assombrada esperando a hora do anoitecer. Este monstro  está escondido no interior do subconsciente de cada personagem. Como sempre, King nos apresenta personagens tipicamente comuns, fazendeiros e escritores, por exemplo, que, em certos momentos encontram-se no breu da vida, o fundo do poço, onde não há luz e o único caminho a seguir é terminar o que se começou. Quando está claro, você enxerga sua sombra e então pode ignora-la, mas em uma escuridão total sem estrelas, não há como escapar da sombra, não há como escapar dos monstros que somos quando se esvai toda a esperança. A questão é, o que fazer quando damos de cara com esse monstro?

Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.
Nietzsche, em Para além do Bem e o Mal.

Em Escuridão Total sem Estrelas, King apresenta quatro contos, onde nos deparamos com situações aterrorizantes, que nos fazem refletir sobre moral e pensar...

“o que eu faria se estivesse ali?”

1922

O conto tem como partida o início dos anos 20, sete anos antes da crise que abalaria a economia não só dos EUA, mas também, de outros paises como o Brasil (crise do café). O fazendeiro Wilfred já sente os primeiros impactos, mas enxerga uma esperança em salvar sua fazenda quando sua esposa, Arlete ganha de herança 100 hectares de terra. Wilf, que faz o esteriótipo machista de homem do interior, acha que essas terrras lhe pertecem, já que ele é o marido. Seus planos vão por água a baixo quando Arlete decide vender as terras para um matadouro de porcos e usar o dinheiro para se mudar para a cidade grande. Só resta a Wilf convencer seu filho Henry de que vender as terras é uma péssima ideia e que juntos podem tocar a fazenda sozinhos... Mas, para isso, Arlete precisa sair do caminho.
Wilfred me lembra outros personagens, também de King, como Jack Torrance (O Iluminado), Louis Creed (O Cemitério), e até mesmo o seu mais recente, Morris Belamy (Achados e Perdidos),  que consecutivamente me mostraram que, quando se tem um desejo imenso de alcançar um objetivo, algumas pessoas simplesmente param de raciocinar e só enxergam seu objetivo final, não importando o meio. E que, quando não se consegue realizar esse desejo, conhecemos a psicose “Kingiana


Gigante do Volante

Tess é uma escritora de livros de mistério (mais um escritor para a lista de “personagens escritores do king”), que é convidada para dar uma palestra de última hora numa cidade a poucos quilômetros da qual ela mora. Tess, é uma mulher independente, gosta de dirigir seu próprio carro, tem um GPS, um gato e uma mente de amante de filmes. A princípio uma mulher comum, mas Tess faz exatamente aquilo que todos nós gritamos para que a mocinha não faça nos filmes de terror, até mesmo Tess sabe que não deveria ter feito isso: ela pega o atalho.
Como aprendemos com Jim Halsey em A Morte pede Carona (The Hitcher – 1986) a não dar caronas a estranhos, aprendemos com Tess a não aceitar conselhos destes, também, principalmete quando este é uma atalho deserto no meio da autoestrada. Tess, também me lembra outro personagem do rei, Carrie, A estranha ( 1974 ).
Obs.: Devido um comentário feito por Tess, li o conto inteiro ambientando o cenário de O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Sow Massacre - 1974).

Extensão Justa

Aqui, o bancário Dave Streeter, possui câncer terminal e apenas alguns meses de vida, mas tem a chance de se salvar e ficar saudável se aceitar um acordo com um certo estranho chamado Odabi, semelhante ao pacto feito por Fausto com Mefistófeles, na obra Fausto, de Goethe. Nesse, o simpático vendedor de Extensões oferece a Streeter a extensão de sua vida, em troca, não deseja a sua alma nem nada. A advertência é que outra pessoa tomará seu lugar na “desgraça”! 
Aqui me lembrou o filme A Caixa (The Box – 2010), que conta a história de um casal Norma Lewis (Cameron Diaz) e Arthur (James Marsden), que vive tranquilo até que um sujeito surge estranho lhes oferece uma caixa com um botão. Caso eles apertem, ficarão milhonários, mas alguém, que eles não conhecem, morrerá. E eles tem um prazo de 24 horas para decidir se apertarão ou não o botão. 

Um Bom Casamento

Neste, Darcy acha que vive um belo casamento. Conheceu o homem que veio a ser seu marido enquanto trabalhava como secretária. Casaram-se e tiveram filhos que já seguiam seus cominhos. Mais de 20 anos de casamente e Darcy acredita que vive em completa transparência com seu marido, pois este a conhece como ninguem. Mas quando é noite e ela vai a garagem procurar pilhas, enquanto o marido está fora viajando a trabalho, Darcy encontra não o seu monstro escondido na escuridão de um forro falso, mas o do seu marido. Essa descoberta fará Darcy conhecer um lado de si que ela mesma nem sabia que tinha.
Este conto nos mostra que não se conhece ninguém verdadeiramente ao ponto de conhecermos a alma dessa pessoa. Nem comendo um quilo de sal juntos.

Dos quarto contos de Escuridão Total sem Estrelas, dois deles já possuem versões cinematográficas. Um Bom Casamento (A Good Marriage, 2014) tem Joan Ellen, como a esposa Darcy, e Anthony LaPaglia, como o esperto marido Bob Anderson. Também em 2014, O Gigante do Volante (Big Drive) ganhou igualmente sua versão, tendo a atriz Maria Bello (Modern Family) no papel da escritora Tess. Em 2016, A Netflix anunciou que uma adaptação do conto 1922 está sendo rodada, estrelada pelos atores Thomas Jane (O Nevoeiro – outra obra adaptada a partir de um conto de King) e Molly Parker (House of Cards). Sendo uma produção da Netflix, sabemos que aumenta – e muito! – a expectativa desta produção. 

Escuridão Total sem Estrelas me serviu como um livro de reflexão. Stephen King vai fundo na alma de cada personagem, fazendo-nos imaginar o que mais pode acontecer. Me fazendo refletir até que ponto de minha alma eu conheço, se sou mais parecido com Wilf, Tess, Street ou Darcy e se eu realmente quero descobrir.

"Se Deus recompensa pelas boa ações na Terra - é o que o Antigo Testamento sugere, e os Puritanos certamente acreditavam nisso -, então talvez Satã recompense pelas más" (p. 69)

Para aqueles que têm curiosidade e não têm medo de ir fundo numa viagem de autoconhecimento, indico O Jogo das Sombras: Iluminando o Lado Escuro da Alma (2000), de Connie Zweig e Steve Wolf.

"Não havia nada de bonito naquela ali: era uma velharia assustadora que podia ter saído do filme O massacre da serra elétrica. É impressionante como a vida, algumas vezes, imita a arte. E quanto mais crua a arte, mais parecida fica a imitação."


Boa Sorte!


Por Tony Ribeiro 
Share on Google Plus

About luvanornalves

This is a short description in the author block about the author. You edit it by entering text in the "Biographical Info" field in the user admin panel.

2 comentários:

  1. Sem dúvida, "Escuridão total sem estrelas" é um excelente livro. Gostei bastante da sua resenha, pena ter lido depois de ter lido o livro. As partes destacadas são muito boas. Quem ainda não leu, depois desse post irá ler. Das histórias acima, "Gigante no volante" me pareceu a melhor. Embora todas as outras são muito boas.

    http://fomedeescrever.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Thallys! Penso muito sobre o que King disse o posfácio deste: "Eu dei o meu melhor!". Realmente Escuridão Total Sem Estrelas é um dos melhores dele. Sou louco pelo King. Dê uma olhadinha em outras de nossas resenhas sobre o "Rei".
      Obrigado pelo comentário!

      Excluir