JOGO PERIGOSO, de Stephen King

Há, na casa em um lago, nos E.U.A,
Um marido querendo um jogo masoquista;
Uma esposa algemada à grade da cama;
Uma discursão pronta a estilhaçar o clima.

Então, quando o marido cai morto ao lado,
a esposa percebe que há algo mais obscuro do que morrer de fome e sede no meio do nada.

Quem vê King, sempre quer mais! 
Essa é a verdade inominável para quem conhece a escrita do rei do suspense na literatura. Lógico que, para que tal afirmação se confirme, vai muito sobre qual livro do “Rei” você escolheu para começar a ler. A necessidade, a sede de beber desta fonte aos engasgos, sempre implorando por mais, depende de com qual livro você começou. Do contrário, se você for um leitor que gosta de ação-ação-ação-fight-fight-fight, logo vai sentir que os dedos de Stephen não parecem tocar uma música do seu agrado. 
Por esta perspectiva, Jogo Perigoso (1992) jamais deve ser o primeiro para quem busca conhecer o vórtice que é a mente do autor. Nele, conhecemos Jessie e Gerald no quarto de uma cabana próxima ao lago Kashwakamak. 

Ela... algemada à cama. 
Ele... quase despido e pronto para começar a jogar. 

O sadomasoquismo está se tornando uma força frequente entre o casal. 

Gerald: empolgado, irrequieto, pronto a explodir. 
Jessie: só pensa em acabar logo e voltar para casa.

Há anos casados, ela não parece se sentir mais confortável diante das investidas do marido que mais lhe parece um imbecil. Quando este clic lhe vem à mente, Jessie diz o que o marido menos quer ouvir. 
“Gerald, por que não deixamos isso para lá?”.

Ele estagna.
Pensa…
Pondera...
Balanceia as opções…
E continua, contrariando e irritando ainda mais a esposa. Num ápice, quando percebe que o marido pretende dar continuidade e que não irá tirar as algemas dela, Jessie age na defensiva e o golpeia violentamente com um chute entre as pernas. 
Gerald cai ao lado da cama… 
Respira…
Ofega…
Em um instante, está com ambas as mãos entre as pernas… Em seguida, aperta o peito.
A dor! 
Uma dor comprime seu peito...
Gerald respira…
Engasga…
Engasga…
Engasga…
… E morre!
Agora, em uma cabana no meio do nada cercada por árvores e um lago mais adiante, Jessie está sozinha.
O marido morto,
Ninguém a quilômetros de distância
E AINDA algemada à cama!
Nesse momento, a vileza de Stephen King inicia seu mover de dedos. Jessie, presa e sem opção de fuga, passará as próximas horas de sua vida contando os passos da Morte que já julga parada ao lado de fora da cabana. Enquanto espera este encontro, ela pensa… 
Pensa… 
PENSA… 
Enquanto vozes em sua mente perfuram o seu passado e os segredos que ali habitam, Jessie está prestes a sofrer da pior tortura: a consciência! Muitas vozes falam em sua mente, ponderando suas opções de fuga e, mais importante ainda, se ela merecia estar ali. Olhar para o seu passado nos faz entender que talvez mereça… 
A história me ganhou quando o cachorro faminto rondando a floresta caminha em direção à porta aberta da cozinha, após sentir o cheiro do sangue de Gerald se espalhar pelo assoalho do quarto... 
King brinca aqui com um dos princípios mais fascinantes em sua escrita: deixar que suas personagens morram de medo – às vezes, literalmente – diante do princípio da solidão. Apavorem-se e enlouqueçam simplesmente por deixarem que a noite, os medos e a escuridão trabalhem por si só. 

“Homens e mulheres sozinhos no escuro são como portas abertas, Jessie, e se chamam ou gritam pedindo ajuda, quem sabe que horrores podem responder? Quem sabe o que alguns homens e mulheres viram na hora de uma morte solitária? Será muito difícil acreditar que possam ter morrido de medo, ainda que as certidões de óbito digam outra coisa?” p. 139

Jessie é uma mulher que, mesmo forte, possui arestas profundas que perfuram toda a sua segurança. No início do romance, King cita um trecho de Rain, de Maughan, para ilustrar bem em que se sustenta a base dos terrores da protagonista, afirmando que “- Vocês, homens, seus porco imundos! Vocês são todos iguais. Porcos! Porcos!”. Com a ajuda das vozes que conversam no poço da mente de Jessie, entendemos de onde vem seu ódio e o que vem buscando esquecer há tantos anos. 
Com isso, anoitece…
As sombras se alongam…
O corpo caído de Gerald se entrega ao mergulho escuro em que se esconde o chão...
É quando Jessie vê, parado ao canto da parede entre as sombras, um homem.

“Entrara silenciosamente enquanto ela dormia e agora simplesmente postava-se no canto, camuflado pela incessante maré de sombras que perpassava seu rosto e corpo, observava-a com olhos negros estranhamente ávidos, tão grandes e extasiados que lhe lembravam das órbitas vazias de um crânio. O visitante apenas parara no canto; só isso, nada mais.”
(p. 132).

Até este momento não sabemos se ele realmente está ali ou se este não passa da imaginação dela sendo manipulada pelos efeitos da noite. Quando desmaia e acorda em seguida, a figura some, mas a mente de Jessie não a deixa descansar:

“Talvez não, Jess – talvez tenha apenas mudado de lugar. Talvez esteja escondido debaixo da cama, que acha da ideia? Se estiver, poderá esticar o braço para o alto a qualquer minuto e pôr uma das mãos no seu quadril.” P. 142

Com isso, King nos ensina que somos, então, nosso próprio carrasco. Anos de vivência nos armaram de imagens de inanição e monstruosidades que, quando mais precisamos do uso da razão, estas mesmas imagens regressam para nos atormentar. Somos formigas perdidas que correm em fuga contra o enorme dedo gigante da mente que vem nos esmagar. 

Então, pergunto:
Mesmo com um romance tão interessante, do qual não antevemos em quê pode resultar o seu fim, por que Jogo Perigoso não pode ser o primeiro para um leitor leigo em King?

Resposta: Porque ele cansa! 

Quem não está familiarizado com a ideia de que King sempre dá o que promete ao final, cansa com os movimentos cíclicos dos pensamentos de Jessie. Veja: Ela está presa sobre a cama, e a narração acontece seguindo o fluxo de seus pensamentos e reflexões. Quem apanha um livro buscando que coisas aconteçam logo, pode chegar a desistir de imediato deste “jogo perigoso” – com perdão ao uso do trocadilho. – e, infelizmente, do próprio Stephen King. 
NÃO FAÇA ISSO! 
King merece… E, mais ainda, qualquer leitor merece o King! 
Mas, quem pretende arriscar, continue… 
Mergulhe...
Prenda-se à cama!
Jessie estará lá ainda...
Faminta... 
Sedenta...
… Com monstros na mente e figuras na escuridão, encarando-a no canto da parede,
Amaldiçoando o dia em que permitiu que Gerald investisse na ideia de jogarem este jogo tão perigoso de algemá-la às grades, e morrer como um tolo logo em seguida… 

por Luvanor N. Alves

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