Há…, à beira do Golfo, em Duma Key…
Uma mulher com a memória destroçada e
perdida em neblina;
Um homem com um passado trágico e uma
bala alojada em sua cabeça;
Um protagonista com um braço fantasma
a lhe revelar o destino sobre telas…
E um segredo VERMELHO. VERMELHO como
sangue jorrando ainda quente do fundo do oceano.
Quando
o assunto é a escrita de Stephen King, muito se tem a discutir. Acadêmicas
torcem o nariz para sua escrita precisa e comercial, terminando por não dar
crédito ao talento do “Rei do suspense”, mesmo sabendo que mentes tão criativas
do universo literário iniciaram e ganharam fama diante da venda de seus
escritos – Shakespeare está aí para provar isso. King é um escritor “sincero”
sobre o que faz, como ele mesmo costuma dizer. Se o público leitor busca o
medo, ele dará o medo. E, muitas vezes, o resultado é alcançado.
É
preciso, no entanto, atentarmos para os conceitos referenciais do que seria
algo que nos cause medo. O elo capaz de, diante de uma leitura, arrepiar nossa
coluna como se recebêssemos um puxão intenso, funciona diferente para muitas
pessoas. Algo que causa repulsa e aversão a mim, pode passar despercebido por
você. O medo, como tudo na vida, é relativo. A genialidade de King encontra-se,
justamente, em construir elementos que terminam por funcionar de modo igual,
senão para todos, pelo menos para a maioria de seus leitores. O resultado disso
é a consagração de uma escrita objetiva, mas que consegue, de modo sutil e
depois profundamente, roçar nossa subjetividade, despertando diversas sensações
que nos impedem de termos uma noite tranquila de sono.
Em
Duma Key, conhecemos Edgar Freemantle.
Vítima de um acidente que amputou um de seus braços e, logo em seguida,
destruiu seu casamento, Edgar se distancia do mundo na ilha de Duma Key,
iniciando, com isso, sua “segunda vida”. Logo vemos que este recomeço se arma
dos elos sobrenaturais comuns à escrita de King: ele começa a pintar, tendo a
sensação de que o fantasma do seu membro perdido está ali, contribuindo com
aquela ação. No processo de recuperação do acidente, Edgar conhece Wireman: ex-advogado que trás um
passado trágico que busca esquecer e uma bala alojada no cérebro que prefere
ocultar, enquanto dedica sua vida a cuidar de uma senhora marcada pelo
Alzheimer.
Elizabeth Eastlake, a velhinha, completa o trio que
parece estar reunido ali por uma força maior do que eles mesmos: Duma Key chama
todos dos quais precisa! Conforme Edgar pinta, o passado, repleto de segredos e
sangue derramado, ressurge do interior turbulento do oceano, ameaçando destruir
o futuro do que restou da antiga vida do
protagonista. Edgar se encontrar acuado quando os mortos decidem levá-lo.
“Havia um homem na minha cozinha. Ele
estava do lado da minha geladeira. Usava trapos encharcados (…). Algo parecido
com limo crescia no seu pescoço, nas suas faces, na testa e nos antebraços. O
lado direito de sua cabeça estava esmagado. Pétalas de ossos projetavam-se
através da folhagem escorrida do seu cabelo preto. Faltava-lhe um olho. O
direito. No seu lugar, havia apenas uma órbita esponjosa. (…) Seus pés estavam
descalços, inchados, roxos e carcomidos até o osso nos tornozelos. P. 615 – 616
Sobre
a escrita de Stephen King não há mistério: ele é objetivo com as palavras. Mas calma!
Antes que você liste exemplos de obras do autor para contradizer minha
observação, deixe-me explicar primeiro. King é objetivo com as palavras, pois o mesmo não constrói sua narrativa utilizando
artimanhas de subjetividade para tentar alcançar o lado sentimental e sensorial
de seus leitores. Observe que ele é um autor que encontra meios, dentro do
suspense, para que você se apaixone por suas personagens. Posso citar com saudades
no coração Eduard Delacroix e o Sr. Guizo, em À espera de um milagre (1996), ou até mesmo o doce Mike, em Joyland (2013). No entanto, quando se trata de enredo, o autor
termina por, em diversos casos, se estender demais em suas obras, tornando-se
prolixo, enfadonho para os menos preparados para o que esperar do “rei”. O que dizer
das 1104 páginas de It – A coisa (na edição da Suma, de 2014) ou
das 1088 páginas de Sob a Redoma (edição
de 2013 da Simon&Schuster)?!
Duma
Key, com suas 829 páginas, acaba entrando na lista dos livros dos quais a
maioria das pessoas passa longe. Neste caso, isso acontece tanto pelo tamanho
da obra, pela sensação de que o enredo não segue, quanto por esta não ter sido
tão aclamada ou ganhado maiores holofotes como os livros citados aqui. Li diversos comentários de leitores da obra
que apontavam esta como uma “perda de
tempo”, fora aqueles que abandonaram a leitura antes mesmo da metade. Em
defesa do livro, explico:
Imagine-se
dentro de um veículo parado… Você olha para fora, através da janela lateral ao
seu lado, e vê um grande guindaste despencando sobre você… Tudo é rápido demais
e não há tempo de fuga… e nem segundos restantes para que sua vida passe
inteira desfilando por sua mente… Então ele cai e te amassa, esmagando-lhe:
ferragem e sangue se misturam! Mas você acorda em seguida: vivo! Mas sem um
braço, sem andar e sem conseguir articular palavra alguma. Nas próximas
oitocentas páginas de sua vida, você terá que se arrastar sobre tudo para se
recuperar, e não será fácil. Nada fácil!
King
é lento porque foi preciso ser. Temos que nos arrastar com Edgar. Temos que
sentir raiva com ele por não conseguir falar direito e ficar tentando e
tentando, enquanto poderíamos estar lendo páginas à frente. Duma Key precisa
nos fazer sofrer. Até o momento em que Edgar ressurge (junto e com os mortos)!
Só então a narrativa correr.
Não
existe aqui o argumento de que ele é um escritor iniciante (não depois de O Iluminado, de 1977) ou já cansado (pois
a personagem de O Iluminado voltou recentemente
no incrível Doutor Sono, em 2013).
Resta-nos aceitar que existe um motivo… e entender… Somente assim Duma Key se
torna interessante. Somente assim é capaz de receber os adjetivos –
“intrigante”; “instigante”; “imprevisível” – sempre atribuídos às obras de
Stephen King pelos fãs.
Duma
Key é, sim, um romance onde vale à pena mergulhar… sem que seja preciso morrer
afogado no percurso.
Por Luvanor
N. Alves
Gostei da cena do veículo parado. Demonstrou uma alta criatividade!!
ResponderExcluirAí que inveja!!!!
Abraços!!!